Ironia Pura
- idadecronica
- 23 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de mar.
A vida é irônica. Quase sempre te dá exatamente o que você pediu, mas de um jeito que faz você se arrepender de ter pedido. Ela tem uma forma elegante de te olhar nos olhos e dizer: “Pegadinha, meu bem!”.
A graça da coisa está na pressa que faz a gente se atrasar. Quanto mais corremos, mais as coisas dão errado. Está na tecnologia que nos desconecta. Quanto mais online, mais distantes emocionalmente... Tem também bastante riso na cara da vida quando ter opção demais é o que nos paralisa.
No trabalho, e já que semana que vem é Carnaval, a ironia gosta muito de sambar na cara do trabalhador. Parece que o ano inteiro é de folia. O chefe cobra produtividade e nos enche de reuniões improdutivas. O RH exige experiência para quem busca o primeiro emprego. Você é contrato para trazer inovação e estratégias disruptivas, mas se vê preso a regras ultrapassadas e intransponíveis. A gente começa a ganhar mais pra poder experimentar bons momentos que só a grana propicia e não tem tempo de aproveitar. Sem contar, a clássica situação em que você faz tudo certo, se supera de todos o jeitos, se mata pra entregar além, mas o crédito vai pra outro, a promoção vai pro colega lobista que todo mundo detesta, mas as pessoas “certas” adoram.
Dentro de casa, pais reclamam dos filhos passando muito tempo ao celular enquanto vivem ocupados ou cansados demais para envolvê-los em algo mais motivador. Tem ainda parente distante que dispara palpites e lições de moral como se convivesse na rotina diária da família. A gente decide dormir cedo e fica rolando na cama até 3 da manhã. A ironia máxima: filhos que precisam crescer rápido porque os adultos agem como crianças.
No amor, tem o crush que mora no outro país, o ex que não deveria ser revisitado, a grande paixão que chega quando a gente acha que já passou da idade. Maridos reclamam: a melhor qualidade da esposa agora é seu pior defeito, já que a admiração inicial cedeu lugar ao cotidiano sempre igual.
Ando suspeitando que tanta contradição tem tornado as pessoas amargas, as conversas chatas... O paradoxo da vida é pauta de conversas tristes, melancólicas. Tanta gente reclamando por ai, não é mesmo? Aquela gente toda que chama o outro de viciado em celular enquanto compartilha fake news e “bom dia com flor brilhante”, que diz que busca algo real na prática, mas se a paixão não corresponde às projeções vai logo descartando o outro que está ali fazendo seu melhor.
Com a maturidade, fui descobrindo que bom humor era uma saída inteligente para lidar com a alta carga de tropeços que me é fatalmente destinada. Rir mais funciona como um guarda-chuva emocional: você sai cantarolando na chuva “Livre Estou”, se molha toda, pega uma gripe que te deixa presa em casa, mas, ao invés de se deixar deprimir, escolhe a descoberta de um filme antigo no catálogo do streaming e dá boas risadas. Aos poucos, a gente vai percebendo que humor é aquele superpoder que transforma tragédia em anedota, em boas histórias pra contar, em formas divertidas de não deixar a vida gozar tanto assim dos prazeres da nossa humilhação. A vida ri sim, na nossa cara. Mas ela perde a graça quando a gente ri junto.

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